segunda-feira, 4 de maio de 2015

A bíblia e os direitos humanos


Um dos maiores equívocos de nossa geração é acreditar que é a mais evoluída de todas. Isso é algo que sempre acontece as sociedades: olham para o passado com desprezo as suas leis e códigos de conduta e julgam viver no mais maravilhoso dos mundos.

Não poderia ser diferente com a nossa, que advoga viver no melhor dos tempos. O mais engraçado é que daqui a 100 anos, provavelmente nossos descendentes dirão a mesma coisa que falamos de nossos antepassados: ultrapassados…

Uma das maiores conquistas que os seres viventes de hoje gritam aos quatro ventos é a conquista dos direitos humanos para todos (em teoria).

Direitos humanos, por definição e de uma forma bem resumida são os direitos básicos de todos os seres humanos. Como por exemplo: direitos civis e políticos, direitos à propriedade, saúde, etc. [1]

Sem entrar no demérito do teor ideológico de como esses direitos tem sido usados, mostrarei aqui que eles não nasceram por acaso, e sim, tiveram a mesma fonte de nossa fé: a bíblia.

Em êxodo 20, a partir da entrega dos dez mandamentos da parte de Deus à Moisés, começa então uma série de ordenanças sobre como os israelitas deveriam viver em Canaã. Alguns que leem essas narrativas sem levar em conta o contexto histórico são tentados a achar que Deus foi injusto e que essas leis são opressoras. Porém, ignoram-se 2 fatos:

1- Quem afirma isso, o faz com vista em seu próprio código padrão de seu tempo, ignorando que os direitos humanos evoluiram ao longo do tempo, tendo o cristianismo papel fundamental na concepção deles.

2- A lei mosaica (origem dos direitos humanos na forma como conhecemos hoje) deve ser comparada com códigos de direitos do seu tempo, não com um código de sociedade de 3500 anos depois.

A nível de comparação, seguem dois códigos de leis de civilizações relativamente próximas e que estavam em vigor à época da lei mosaica:

Leis de Eshunna, 1800 A.C

Se um homem livre não tiver justa reivindicação contra um homem livre, mas mesmo assim, raptar a moça escrava do outro homem livre, deter a raptada na sua casa e provocar a morte dela, ele deve dar duas moças escravas ao dono da primeira escrava, como indenização. Se não tiver justa reivindicação, contra uma pessoa de classe superior, mas raptar sua esposa ou seu filho provocar a morte deles, é um crime capital. Quem assim raptou, deverá morrer.” [2]


Código de Hamurábi, 1726 A.C

Se um nobre ferir a filha de outro nobre livre, e provocar um aborto da parte dela, deve pagar dez siclos de prata pelo feto dela. Se aquea mulher morrer, devem matar a filha do primeiro. Se, por uma pancada violenta, provocar um aborto da filha de um membro da plebe, deve pagar cinco ciclos de prata. Se aquela mulher morrer, deve pagar 1/2 mina de prata . Se ferir a escrava de um nobre e provocar um aborto da parte dela, deve pagar dois siclos de prata. Se aquela escrava morrer, deve pagar 1/3 de mina de prata” [3]

Muitas coisas poderiam ser examinadas nessas leis, mas o que chama a atenção de forma gritante é o tratamento diferente com relação as classes de pessoas (Marx vibra neste momento). Se o crime for contra uma escrava (mesmo se for assassinato) a punição é o pagamento de uma multa; se for contra outra pessoa da nobreza, a pena é a morte. E observando mais atentamente, os homens da nobreza ficavam praticamente imunes aos devidos castigos. Nessas leis, mulheres e escravos são tratados como propriedades de seu dono.

Começa então, a grande diferença em termos éticos e sociológicos do Antigo testamento. O sexto mandamento em Êxodo 20 é neutro, simplesmente diz: Não matarás! (Ex 20:13). Não há aqui qualquer privilégio que seja. Se as pessoas seguiram ou não essa recomendação, é outra história, mas fato é que Deus sempre procurou proteger os mais fracos também: órfãos, viúvas e estrangeiros, bem como mulheres e crianças, que não deveriam ser tratados como objetos.

Um pouco mais a frente vemos: “Quem ferir um homem levando-o a morte, também será morto” (Ex 21:12). Apesar de muitos se chocarem com a pena capital, deve ser levado em conta que aqueles eram tempos e guerra e a pena capital era vista como algo totalmente comum. Essa lei tem de ser comparada com as leis de sua época, não com nossas leis que sofreram várias transformações até chegar no nivel em que se encontram hoje (e ainda assim são ineficazes). O grande ponto é novamente a neutralidade que Deus mostra em julgar um criminoso: não importa a condição social ou condição de gênero, matar alguém (sem ser legítima defesa) era passivel com a morte também, seja homem, rico ou poderoso.

Alguns criticam o fato de haver escravos, tanto no antigo quanto no novo testamento:

1- A escravidão nos dois testamentos não tem haver com motivos étnicos, e sim, motivos de guerra e sobrevivência.

2- A condição dos escravos nos dois testamentos era infinitamente melhor do que a condição da escravidão que nós conhecemos (especialmente dos povos africanos).

Um exemplo disso se encontra aqui: “Não entregarás a seu senhor o servo que, fugindo dele, se tiver acolhido a ti; contigo ficará, no meio de ti, no lugar que escolher em alguma das tuas cidades, onde lhe agradar; não o oprimirás.” Deuteronômio 23:15,16

Apesar de nenhum autor bíblico fazer campanha pelo fim da escravidão (até porque não era o propósito deles) foram cristãos, tanto na Inglaterra quanto na Nova Inglaterra que começaram a onda abolicionista que viria a atingir todo o ocidente.

Os cristãos lutaram pelo fim da escravidão, não porque tinham noção acerca dos direitos humanos como formalizados hoje, mas eles compreendiam que esse tipo de prática não condizia com a vontade de Deus para os homens (veja Deuteronômio 24:7 e I Timóteo 1:9-11).

Nomes como William Wilberforce, John Woolman, Martin Luther King Jr, Jerzy Popieluszko, Oscar Romero, Dietrich Bonhhoeffer entre milhares de outros, não apenas levantaram suas vozes em busca de um mundo melhor (sem matar ou aniquilar os adversários para isso) como alguns até deram a própria vida. A bíblia, ao invés de ser a causadora dos males do mundo, como alguns injustamente a acusam, é a fonte da busca por um mundo melhor, até a volta de Jesus.

Só então, viveremos no melhor dos mundos.

[1]http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf

[2] J.B Prichard, Anciente near eastern texts relating to the old testament, ed Princenton university press, 1969, p. 162

[3] J.B Prichard, Anciente near eastern texts relating to the old testament, ed Princenton university press, 1969, p. 179